- Eventos
- A Internacional dos Fóruns
- A Escola de Psicanálise
- Redes
- Publicações
- Membros
Eventos Internacionais - Arquivos
Hoje a questão do tempo próprio da psicanálise nos vem de fora. O tema nos é trazido pela atualidade do discurso capitalista, que faz do tempo um valor comercial como qualquer outro, ligado evidentemente ao regime dos gozos contemporâneos.
Grande diferença tanto em relação a Freud como a Lacan. No começo da psicanálise, foi no seio da comunidade dos analistas que a duração da análise esteve em questão e foi objeto de debate. Quando, meio século depois, Lacan quis fazer do tempo, não mais um dado inerte do quadro analítico, mas um dado inerente à relação de transferência e manejável em virtude disso na sessão, foi na ortodoxia ipeísta que ele esbarrou. O objeto de debate se tornara objeto de litígio, mas no mundo restrito dos analistas.
Para nós, a interpelação é duplicada por outra, muito mais poderosa, a do discurso corrente. Os meios de comunicação se apoderaram do tema, que divulgam para o grande público, e informam até mesmo as demandas. Ser escutado durante um longo tempo a cada sessão, e sarar depressa, bem poderia ser a nova exigência de nossa época. Lógico: uma vez que hoje o tempo se compra e se vende, como o consumidor não iria querer comprar o gozo garantido de um tempo de sessão, e pedir ao analista vender-lhe uma análise curta?
E como analistas que se inscrevem sob o significante do Campo Lacaniano, campo de regulação dos gozos, poderiam ser surdos a isso e continuar indefinidamente deixando dizer? Tanto mais que o debate interno entre a corrente lacaniana e a ipeísta não está encerrado. E verifica-se todos os dias o quanto esta última, pelo menos na França, para bajular o espírito da época, não recua em fazer valer como pseudogarantia sua sessão longa e com duração fixa - e sem mais argumentação. Do outro lado, vimos até mesmo aparecer no Campo Freudiano o tema, não menos demagógico, da psicanálise aplicada produzindo enfim, após um século de vãos esforços, "a análise curta"! Vê-se como é grande a tentação para as políticas de parvoíce de jogar-se nos braços do discurso contrário, e por medo de que a psicanálise desapareça do mercado, acaba-se por contribuir ativamente para sua diluição no campo chamado psi, cuja cotação está em alta.
Nossa questão é diferente. Ela se situa entre dois escolhos, seja por não reconhecer que mudamos de mundo em alguns decênios e por ignorar soberbamente "a subjetividade de nossa época", seja por ceder em relação à oferta propriamente analítica em nome da adaptação realista, quando se trataria, antes, de precisar o que do tempo na psicanálise não pode oscilar ao sabor do espírito da época.
A análise, por exemplo, poderia não ser sempre longa, uma vez que sua extensão se mede em relação a uma espera? Desde a época das primeiras análises, muito curtas na realidade, alguns meses ou algumas semanas, já se lamentava sua duração, a começar por Freud, sem dúvida porque o modelo de referência era a consulta médica.
Outra constatação engraçada: os psicanalistas de diversas obediências, eles que não concordam em nada, concordam, entretanto, em relação a uma duração incompressível da análise e poderiam subscrever, quanto ao essencial, a frase de Lacan "é preciso tempo". Forçoso lhes é, com efeito, constatar que todas as tentativas para economizar tempo - e os houve na história da psicanálise - fracassaram (1).
Quanto à duração da sessão, em contrapartida, desde que Lacan tocou nesse tabu, a luta permanece acirrada. Já não seria o sinal de que o analista não se considera verdadeiramente como responsável pela duração da análise, enquanto, no que diz respeito ao tempo da sessão, ele sabe que aí entra em jogo uma opção, e que ela deve ser justificada...
O inconsciente seria o recurso? Mas primeiro seria necessário responder à pergunta, lancinante, ao longo de todo o ensino de Lacan e sempre retomada até o fim: o inconsciente, o que é isso? Na realidade, em seus debates históricos sobre o tempo, os analistas o usaram como argumento, mas sem que conclusão alguma se impusesse, pois dele pode-se dizer uma coisa e seu contrário: que o inconsciente não conhece o tempo, insistência indestrutível, que ele se manifesta, contudo, em uma pulsação temporal que lhe é própria (o tema é freudiano), que, entretanto, ele quer tempo para se manifestar na sessão (tema pós-freudiano) ou que, ao contrário, trabalhador jamais em greve, ele tem todo o tempo, pois não conhece os muros da sessão (tema lacaniano). É que a concepção que se faz do inconsciente é solidária com a do tempo analítico.
A questão aberta por esse tema não é simplesmente clínica. Uma clínica do tempo é possível, sem dúvida, mas, para dizer a verdade, ela não está mais por ser feita, pois já se encontra bem balizada pelo ensino de Lacan. Tempo do sujeito que se "hystoriza"(NT) puxado entre antecipação e retroação: tempo próprio de cada estrutura clínica, que marca com seu selo a temporalidade universal do sujeito e cuja tipicidade já é o índice de um real, conforme elas se hystorizam ou não; "tempo lógico" de produção de uma conclusão a partir do "não sabido", produção cuja duração, incalculável, é própria de cada analisante, o que leva a pensar que, por mais lógico que seja esse tempo, ele é algo não só lógico, participando antes de um real que se manifesta na textura" do tempo.
O ponto crucial de nosso tema hoje está, porém, noutro lugar, mais ético que clínico; o que uma análise sempre longa pode prometer ao homem apressado pela civilização? Efeitos terapêuticos às vezes e mesmo freqüentemente rápidos, sem dúvida alguma, contrariamente ao que se crê. Mas, além disso, "o tempo necessário", conforme a expressão de Lacan, permitiria produzir um novo sujeito?
Freud já se fazia essa pergunta, questionando em "Análise finita, análise infinita", para além do terapêutico, a possibilidade de um estado do sujeito que só se alcançaria pela análise. Mas ele se detém nesse limiar. Não que ele não reconheça que a análise produz surpresas, mas, para ele, paradoxalmente, elas não são o signo do novo, mas, ao contrário, são o signo do reencontro, do retorno de um passado infantil. Em conseqüência, o que uma análise pode prometer de melhor é a reconciliação do sujeito com o que ele rejeitara inicialmente no recalque, ou a admissão do que nem sequer havia sido simbolizado e que insistiria na repetição. Daí a extraordinária fórmula freudiana, em sua ironia: reduzir o infortúnio neurótico ao infortúnio banal.
Na opção de Lacan, ao contrário, o tempo é um possível vetor de novidade. É que ele não pode ser pensado unicamente como estruturado pela dimensão simbólico-imaginária que assegura a imanência do passado no presente. A questão do que ele implica de real deve ser colocada, quer isso agrade, quer não a Emmanuel Kant, pois, antes de toda promessa analítica, é preciso responder à questão de saber como o tempo real de uma análise alcança o real do falasser.
tradução: Silmia Sobreira